Uma ruga a cada história

Estou cansada, mas a insônia me impede de dormir. Qualquer ruído me deixa mais atenta: um galo “desregulado” que canta antes da meia-noite; um bêbado que atravessa a rua falando bobagens; o barulho da T.v do vizinho e é claro, ele, o irritante tic-tac do despertador florido, que repousa no criado mudo.

As horas passam, até que eu perca totalmente a noção do tempo. O corpo praticamente implora pra sair da cama de espinhos em que me encontro. Tento lutar contra isso, em vão.A mente não para de trabalhar e por mais que eu me esforce não consigo adormecer. Decido levantar, mas antes checo as horas: 03:00, como sempre.

Vou até o banheiro , jogo água no rosto várias vezes e, por alguns instantes, fito a minha imagem no espelho.

Olho no olho é o suficiente para que meu baú de memórias se abra. Recordo meus 24 anos em pouco mais de dez minutos, uma retrospectiva dos melhores momentos. Depois dessa viagem interior, percebo-me ali, sozinha, na madrugada de um dia quente, na frente de um espelho tentando decifrar-me. Inspeciono cada canto de minha face e dos meus cabelos castanhos escuros, percebo um filho único: meu primeiro fio de cabelo branco. Me assusta a ideia de que estou envelhecendo e sorrio, pois acho engraçado  estar refletindo sobre isso agora, tão jovem.

Os primeiros sinais da idade não se limitam apenas ao bendito fio. Ao sorrir meus olhos já marcam onde ficarão as linhas de expressão. Meu corpo, definitivamente,  já não é mais o mesmo.

Sempre me considerei uma garota madura, agora percebo que o exterior está ficando parecido com o interior : velho.

Por um momento, penso no que isso significa…

Estou envelhecendo, como será olhar para o meu rosto daqui a 10,20,30 anos? Será que eu vou gostar do que está refletido? Ou vou procurar o endereço do Dr. Rey e implorar pra que ele me deixe mais jovem?

Mas por que ou para que estou pensando nisso agora? Deve ser o sono querendo, finalmente, aparecer. Um ataque filosofal na madrugada ninguém merece!

Eu sou apaixonada por gente velha! Sério, acho muito fofo aqueles rostinhos enrugados. Mas e quando for eu , será que vou achar fofo também? Reflito por um instante e,  sinceramente, acho que sim!

Eu acho que o nosso corpo é como um livro, no princípio são só folhas em branco, até que alguém, através de palavras, dá vida à elas. Vejo cada linha de expressão, como as letras desse livro, cada uma delas conta uma história.  Por isso quanto mais velha a pessoa mais rugas ela têm.

Uma vez vi a história de uma mulher que passou anos sem rir, para não ter rugas. Achei uma história triste. Quantas vezes ela  teve que conter “aquela” gargalhada, para evitar sinais de idade em sua pele? Claro, que não posso (nem devo) julgá-la por isso, pois foi uma escolha dela. Mas não deixo de achar triste. Eu acho que não conseguiria viver assim. Porque eu sou aquela garota do riso frouxo, que ri até para os postes da rua. Acho que vou ser uma velhinha bem enrugada (risos).

Eu sou a autora da minha própria história,  espero viver muito ainda e ter rugas será inevitável. Elas serão a certeza de que chorei, que cantei, que dancei, que sofri e que sorri, que vivi!

E quantas aventuras ainda terei pela frente? Espero que muitas! Mas agora preciso dormir para ter coragem de alcançar todas elas. No relógio marcam 05:00 , ótimo tenho uma hora pra dormir. Boa noite.

Sobre a transitoriedade das dores

♥

Desde criança sempre vivi no interior.

E uma das coisas que mais movimentavam a cidade eram os ‘showmícios‘, que eram festas oferecidas pelos candidatos a prefeito e vereadores, em que haviam bandas fazendo seu show e em algum momento os candidatos tomavam a palavra para expor as suas propostas. Essas festas agitavam a cidade, e as pessoas iam com suas famílias prestigiar o evento .

Eu era criança, nem lembro ao certo quantos anos tinha, mas era entre 5 e 6 anos. Lembro bem do movimento na cidade, o showmício foi perto da praça e eu, obviamente não me lembro qual era o partido que ofereceu a festa e nem a banda que estava tocando, porque isso não me interessava nem um pouco.

Lembro sim, de bandeiras balançando, e das vozes exaltadas dos adultos que estavam em cima do palco e queriam através de suas palavras duras convencer seus ouvintes. Lembro de casais de namorados que passavam de mãos dadas e ignoravam tanto, ou mais que eu o que aqueles homens diziam.

Mas o que aconteceu naquele dia foi uma coisa boba, que não tem nada de especial, a não ser o fato de uma experiência infantil ter me feito encarar muitas coisas de forma diferente…

Eu estava brincando com meu irmão, e a praça era enfeitada por pequenas flores vermelhas, que a primeira vista até poderiam ser inofensivas, mas que tinham em seu calo inúmeros espinhos. Um perigo para  crianças distraídas (leia-se eu). Acontece que, em determinado momento, eu subo em um dos bancos da praça e me desequilibro, caindo com os braços sobre os espinhos que perfuraram a minha pele. No momento, além dos meus pais, outros adultos vieram para tentar me ajudar, eu gritava e chorava muito.   Lembro das marcas que ficaram dos espinhos. Mas da dor mesmo, eu não me lembro, lembro que doeu muito, mas não lembro exatamente de como foi essa dor. E, hoje em dia nem lembro muito desse dia. Me lembrei hoje porque vi um lugar que tem essa flor. E sabe qual foi a “lição” que tirei desse episódio? Aquilo que os mais velhos insistem em repetir e os jovens a ignorar, aquele ditado que diz: “Não há mal que perdure, não há dor que não se cure.” Aprendi que eles estão certos, graças a Deus, nenhuma dor é eterna! No momento em que a vivemos até pode parecer que ela é, mas acredite não é.  É óbvio, que também depende da gente, se ficarmos alimentando, remoendo aquilo que nos causa dor ela será mais duradoura, a partir do momento que deixamos ela de lado ela vai ficando tão pequenininha que um dia simplesmente deixa de existir.  E você pode até ver as cicatrizes e lembrar que doeu muito, mas não vai sentir mais nada. Porque como tudo na vida, as dores também são passageiras. Ainda bem.

*Imagem retirada do We♥It

No balanço da rede…

Memórias são coisas engraçadas, elas ficam lá guardadinhas em algum lugar no cérebro e de repente, do nada, elas reaparecem. Nem sempre são boas lembranças, nem sempre você quer que elas voltem, pois irão fazer um estrago danado! Mas as vezes, ao surgirem, é impossível conter o sorriso nos lábios, de tão bom que aquele momento foi, revivê-lo é a melhor coisa do mundo!

E é assim que me sinto, quando lembro, daquela noite de verão. Nós dois, adolescentes com uns dois meses de namoro (no máximo), a noite estava agradável, o céu estrelado e uma linda lua que observava as nossas conversas tolas.

Seu pé se apoiava no chão e balançava a rede, eu estava envolta em seu braço e encostada em seu peito, podia até ouvir as batidas do seu coração, que estavam tão rápidas quanto as de um bebê no ventre de sua mãe. O meu coração, por sua vez, respondia as batidas do seu, tão rápido como ou até mais. Estávamos em perfeita sintonia. Caidinhos um pelo outro!

Ali fazíamos planos, por um futuro tão distante que nem sabíamos se iríamos alcança-los. Uma casa pequena, um jardim gramado, dois filhos (um casal que já tinha até nome), um cachorro, um gato, e, é claro, uma rede para deitarmos nos fins de tarde. Típico sonho adolescente, do amor de conto de fadas.

O seu cheiro, e o seu abraço me davam a sensação de aconchego, aquela sensação que a gente só sente quando estar em casa. Gostava de imaginar que a nossa história estava escrita nas estrelas. Era óbvio que a gente ia ficar juntos. E teríamos o nosso “Felizes para sempre.”

O tempo passou, e em como todos os outros contos de fadas da vida real, o nosso amor foi se desgastando com os acontecimentos de cada dia. Por muitas vezes quis desistir de você e sei que você também quis desistir de mim.

Nossos corações começaram a bater sinfonias diferentes. Nossos planos começaram a mudar. Mesmo assim insistíamos a tentar realizar o maior deles: ficar juntos. Mas o ser humano erra, e você errou feio comigo.

Não foi fácil, você sabe disso. Eu quis ir embora e pela primeira vez na vida te vi chorar, dessa vez meu coração apertava. Minha cabeça dizia: vá! E meu coração: fique! E as minhas lágrimas, que sempre tentei esconder de você , se revelaram. E então você viu e a garota “fortona” na verdade era tão frágil quanto todas as outras.

A choros e soluços , nos aproximamos, olhamos um para o outro. E no fundo dos seus olhos encontrei ternura, e lembrei dos mesmos olhos pelos quais me apaixonei. Os olhos que me deixavam envergonhada ao encontrarem os meus. Ali naquela noite, tão agradável quanto aquela na rede, nos abraçamos , sem nenhuma palavra falar. Ficamos ali abraçados e flashbacks passaram pela minha cabeça, lembrei de tudo de bom que a gente viveu em todos os anos que estávamos juntos. Resolvi ficar, trocar um erro, por todas as vezes que você acertou.

Uma vez ouvi que : “as pessoas que mais amamos são as que nos decepcionam , porque achamos que elas são perfeitas e esquecemos que elas são humanas”. Eu não sei quem disse isso, mas ele estava completo de razão.

Hoje conseguimos realizar boa parte dos planos que fizemos e ainda vamos realizar muitos outros , se Deus quiser.

E, de vez em quando, ainda compartilhamos a rede. E a cada balançar da rede, falamos menos do futuro e mais do presente. Vivemos o hoje, um dia de cada vez. E o que tem pra hoje é muita paz, amor, compreensão e parceria.

E ele continua balançando a rede , enquanto eu adormeço em seus braços.

*Imagem retirada da Internet